A Polícia Federal prendeu, em 16 de dezembro de 2025, o desembargador Macário Ramos Júdice Neto, da Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), por suspeita de obstrução de justiça. O motivo? Ele teria vazado detalhes operacionais da prisão do deputado estadual do Rio de Janeiro Thiago Henrique Joias — conhecido como TH Joias — ao então presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar. A decisão foi assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após análise de mensagens de WhatsApp e registros de ligações. O caso não é só sobre um vazamento. É sobre um sistema corrompido que movimentou R$1 bilhão em fraudes eleitorais, com vítimas entre os mais pobres do estado.
Um juiz suspenso há 18 anos, mas ainda com poder
Macário Neto, 67 anos, está suspenso das funções judiciais desde novembro de 2005, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) abriu o processo 2005.025678-0 contra ele por suposto envolvimento em um esquema para alterar decisões judiciais. Mas, paradoxalmente, ele continuava atuando como relator do caso de TH Joias na TRF-2 — mesmo sem autoridade legal para isso. Foi ele quem tentou antecipar a audiência da causa para 17 de dezembro, uma manobra que foi barrada pelos colegas. A sessão foi mantida para 18 de dezembro, o mesmo dia em que sua defesa planeja apresentar um habeas corpus ao STF, alegando imunidade profissional. A ironia é pesada: um juiz suspenso por corrupção tenta se proteger com o mesmo instrumento que deveria proteger a justiça.Enquanto isso, ele viveu uma vida dupla. Durante os 18 anos de suspensão, Macário Neto atuou como DJ de música eletrônica em Vitória, no Espírito Santo, sob o nome artístico "The Doctor". Seu perfil no SoundCloud diz: "amante da música eletrônica há mais de 35 anos". Nada de judicial. Nada de poder. Apenas batidas e luzes. Até que voltou ao centro de uma das maiores crises institucionais do Rio nos últimos anos.
As conexões que abalam o Rio
A prisão de Macário Neto não é um evento isolado. Ele e Rodrigo Bacellar são réus conjuntos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no processo 0600245-77.2024.6.00.0000. A acusação é de que, junto com o governador Cláudio Moacyr de Azevedo Castro, criaram um esquema de pagamento secreto a 18 mil pessoas — 15 mil delas beneficiárias do Auxílio Brasil — usando dados falsos do CEPERJ. Incluindo nomes de mortos. O dinheiro, R$83 milhões por mês, foi lavado por empresas fantasma como "Construtora Delta Minas" e "Serviços Administrativos Rio 2024". O objetivo? Comprar votos e garantir a reeleição do governador.Segundo fontes da TRF-2, Macário Neto era "um siri na lata" — nervoso, agressivo, tentando consertar a ruptura entre Bacellar e Castro. Ligar diretamente para a assessoria do governador? Fazia isso com frequência. E quando Bacellar foi afastado em 10 de dezembro, ele entrou em pânico. Foi aí que, segundo a PF, decidiu avisar Bacellar sobre a operação contra TH Joias — um deputado preso em setembro por lavagem de dinheiro e associação criminosa ligada ao comércio de ouro. O aviso teria sido dado em um almoço em 15 de dezembro. Um dia depois, a PF chegou em casa de Macário Neto com mandado de busca e apreensão.
Os celulares e o que ainda não sabemos
A PF apreendeu três celulares. Em 17 de dezembro, conseguiu acessar um. Os outros dois permanecem bloqueados. Mas o que está lá pode mudar tudo. Procuradores suspeitam que Macário Neto tenha recebido dinheiro por esses vazamentos. Seria um pagamento por proteção? Um acordo silencioso? O caso de TH Joias é apenas a ponta do iceberg. O que os investigadores não encontraram ainda são os registros de transferências, os nomes dos intermediários, os contatos de bancos offshore. A TRF-2, que nunca havia preso um de seus desembargadores desde sua fundação em 1989, agora enfrenta um teste de credibilidade sem precedentes.Quem vai substituir Macário Neto?
O conselho administrativo da TRF-2 precisa nomear um novo relator para o caso de TH Joias até a audiência de 18 de dezembro. O nome que mais soa é o do desembargador Marcus Vinícius Furtado Coêlho. Mas a pressão é enorme. Qualquer escolha será vista como política. E, neste momento, em pleno clima de eleições, a desconfiança é maior que a esperança. A defesa de Macário Neto, liderada pelo advogado Marcelo Leal, insiste que as comunicações entre juízes são protegidas. Mas se um juiz suspenso vaza informações para um político suspenso, para proteger um deputado acusado de tráfico de ouro... onde termina a imunidade e começa a traição?O que isso significa para o Rio?
A Alerj, sem presidente desde 10 de dezembro, opera com liderança provisória. O governador Castro, já sob investigação, enfrenta o risco real de impeachment. A população, que já desconfia da política, agora vê que até os juízes — os guardiões da lei — podem ser parte do esquema. O Auxílio Brasil, um programa que deveria proteger famílias pobres, foi usado como ferramenta de corrupção. Quem recebeu esses pagamentos falsos? Muitos nem sabiam que estavam "empregados". Alguns eram idosos. Outros, falecidos. Isso não é apenas crime. É violência institucional.Quais os próximos passos?
A PF segue analisando os celulares. O STF deve decidir sobre o habeas corpus em até 72 horas após o pedido, em 18 de dezembro. O TSE pode pedir a prisão preventiva de Cláudio Castro. O Ministério Público Federal vai investigar se houve conluio entre a TRF-2 e a Alerj. E, enquanto isso, a sociedade espera: alguém vai ser responsabilizado? Ou tudo vai cair no esquecimento, como tantas outras operações?Frequently Asked Questions
Por que um juiz suspenso ainda podia ser relator de um caso?
Apesar da suspensão desde 2005, Macário Neto continuou atuando como relator do caso de TH Joias na TRF-2, o que viola o regimento interno da corte. A justiça brasileira tem mecanismos para afastar juízes suspeitos, mas falhas administrativas permitiram que ele permanecesse no cargo de fato, mesmo sem autoridade legal. Isso expõe uma fragilidade estrutural: a falta de fiscalização interna nas cortes superiores.
Como o esquema de R$1 bilhão usou o Auxílio Brasil?
O CEPERJ, órgão estadual de estatísticas, forneceu dados de 15 mil beneficiários do Auxílio Brasil — incluindo nomes de pessoas mortas — para criar registros falsos de emprego. Esses "funcionários" receberam pagamentos por meio de empresas fantasmas, como Construtora Delta Minas. O dinheiro era usado para financiar campanhas eleitorais. A fraude foi detectada por inconsistências nos cadastros, mas só foi investigada após denúncias da PRE-RJ em dezembro de 2025.
O que é o habeas corpus que a defesa de Macário Neto vai pedir?
A defesa alega que as comunicações entre juízes, mesmo quando suspeitos, são protegidas por imunidade profissional, como se fossem confidenciais. Mas a lei não protege vazamentos de operações policiais. O STF já rejeitou esse argumento em casos anteriores, como o da Operação Lava Jato. A tentativa é mais uma manobra para ganhar tempo, não uma base jurídica sólida.
Por que a prisão de Macário Neto é histórica para a TRF-2?
Desde sua criação em 1989, a TRF-2 nunca havia preso um de seus desembargadores. A prisão de Macário Neto é um marco porque mostra que, mesmo os mais altos magistrados não estão acima da lei — quando há provas. Mas também revela o quanto o sistema pode ser manipulado: um juiz suspenso por corrupção ainda tinha acesso a processos sensíveis, e ninguém o impediu.
O que acontece com os 15 mil beneficiários falsos do Auxílio Brasil?
Eles não serão responsabilizados — são vítimas do sistema. O problema é que o governo federal ainda não definiu como corrigir os registros do CadÚnico. Muitos desses nomes podem estar marcados como "recebedores ativos", o que pode impedir que pessoas reais, necessitadas, se cadastrem. A correção exige uma auditoria massiva, com recursos e transparência que o governo ainda não demonstrou ter.
Há risco de mais prisões? Quem pode ser o próximo?
Sim. A investigação já aponta para mais de 20 funcionários do CEPERJ, assessores do governador Castro e operadores financeiros das empresas fantasmas. A PRE-RJ afirmou que há evidências de que o esquema foi coordenado por uma rede de políticos, burocratas e empresários. A próxima prisão pode ser de um secretário estadual ou até de um diretor da Caixa Econômica Federal, responsável por liberar os pagamentos.
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