
Djokovic sente as costas, mas controla o jogo
Aos 38 anos, Novak Djokovic ganhou, convenceu em vários momentos e, ainda assim, saiu da Arthur Ashe com uma questão no ar: o corpo vai acompanhar a cabeça e a raquete até o fim do US Open 2025? A vitória por 6-4, 6-7(4), 6-2 e 6-3 sobre Cameron Norrie colocou o sérvio nas oitavas, mas também expôs de novo o preço de competir no limite. O britânico foi direto na leitura: em Nova York, o que vai decidir é a condição física.
O cenário ficou claro já no primeiro set. Servindo para fechar em 5/4, Djokovic pediu atendimento e deixou a quadra para tratar as costas com o fisioterapeuta Clay Sniteman, da ATP. Voltou, fechou a parcial, mas precisou de novo de cuidados no começo do segundo set. Do outro lado, Norrie viu de perto os sinais. Na coletiva, disse que o nível técnico estava alto — especialmente o saque, muito afiado no início —, mas ressaltou que repetir essa intensidade jogo após jogo é um desafio bem diferente.
Em quadra, o roteiro teve curvas. Djokovic perdeu o tiebreak da segunda parcial, mas elevou o padrão nos sets três e quatro. Encurtou pontos quando precisou, variou alturas e direções para evitar trocas longas e acertou escolhas nas horas quentes. A leitura de Norrie sobre a gestão do jogo faz sentido: mesmo com limitações, o sérvio controlou o ritmo quando importava. É a experiência de quem venceu 24 Grand Slams e conhece Nova York como poucos.
Depois, na entrevista à TV, ele soou mais sincero do que costuma ser sobre o próprio corpo. Admitiu estar mais preocupado hoje do que em qualquer outro momento da carreira. Não por falta de cuidado — a rotina dele sempre foi obcecada com recuperação e prevenção —, mas porque o tempo cobra. A forma como ele tem lidado com isso inclui pular treinos entre partidas, algo que virou regra nos últimos dias. E esta já foi a terceira partida seguida em que o físico chamou a atenção.
O ponto que intriga é a gestão do torneio. O US Open exige muito: calor, umidade, jogos longos à noite, mudanças de velocidade com teto fechado ou aberto. Em 2023, Djokovic saiu campeão navegando bem por essas variáveis. Agora, a margem é menor. Não há dúvidas sobre o arsenal técnico, o timing nos momentos grandes e a leitura tática. A dúvida está em quantas vezes seguidas ele consegue acionar essa versão sem que as costas falem mais alto.
Norrie foi honesto sem soar derrotista. Elogiou a forma como Djokovic sacou e administrou pressão, mas frisou que o corpo é o X da questão. A imagem do sérvio chamando o médico e pedindo o fisio não saiu da cabeça de quem assistiu. Ao mesmo tempo, a serenidade com que ele ajustou o plano de jogo — menos ralis longos, mais primeiras bolas profundas, mudanças de ritmo com slice — reforçou a ideia de que ele pode navegar com inteligência mesmo quando não está inteiro.

Recuperação e o próximo passo: Struff no caminho
O calendário imediato ajuda e atrapalha. Ajuda se a organização mantiver o jogo seguinte na sessão noturna, dando algumas horas extras para recuperação. Atrapalha porque, em Grand Slam, o intervalo é curto e o corpo não mente. Para além de gelo, liberação miofascial e alongamentos, a principal decisão tem sido reduzir ao mínimo o volume de quadra nos dias entre jogos. Menos treino, mais fisioterapia. É gestão de carga pura.
O próximo rival é Jan-Lennard Struff, veterano alemão que gosta de acelerar ponto e entrar na quadra. O histórico é pesado a favor do sérvio: 7 a 0 nos confrontos. Isso não garante nada, mas diz alguma coisa. Struff saca forte, empurra com o forehand e volta e meia se arrisca na rede. Quando está no dia, tira o tempo do adversário. A chave, para Djokovic, é neutralizar a primeira bola: leitura de saque, bloqueio firme na devolução e profundidade logo no segundo golpe para não deixar o alemão ditar o ritmo.
Com as costas em observação, o plano tende a priorizar pontos mais curtos sem virar correria. Sair bem do saque — variando direções e usando muito a primeira bola no corpo — reduz a necessidade de ralis longos. Nas devoluções, alternar entre bloquear e atacar segundo saque tira o conforto de Struff. Quando o ponto estica, mudar altura com o slice de backhand e abrir ângulos com o forehand cruzado costuma dar certo contra o alemão.
O contexto maior também pesa. Djokovic tem quatro títulos do US Open (2011, 2015, 2018 e 2023) e uma coleção de finais em Nova York. Sabe jogar com a torcida barulhenta, domina a dinâmica da Ashe e entende como administrar as noites longas. A pergunta é se o corpo lhe dá a mesma janela que deu no passado recente. Aos 38, cada atendimento médico vira tema do dia. E cada decisão — treinar, não treinar; alongar mais, alongar menos — vira peça de um quebra-cabeça que ele e a equipe precisam montar a cada rodada.
No sábado, a pista técnica foi animadora. O saque apareceu com força, especialmente no set inicial, e a leitura de devolução voltou a morder nos momentos importantes. Quando precisou, ele subiu a intensidade com trocas mais curtas e tomou a rede para encurtar caminhos. Em paralelo, os sinais físicos pediram cautela. Não dá para ignorar que foram três jogos seguidos com algum nível de desconforto. Em Slam, a soma costuma cobrar no fim de semana decisivo.
Se você olhar para a campanha com frieza, dá para listar três fatores que vão definir o teto do sérvio no torneio:
- Saúde das costas: sem travamentos no meio do jogo, o plano tático flui e a confiança cresce.
- Gestão do tempo entre partidas: sono, fisioterapia e pouco volume de quadra para chegar leve.
- Qualidade do saque: com alta porcentagem de primeiras bolas, ele controla o placar e os ralis.
Do lado de lá, Norrie sai com algo importante: viu de perto que, tecnicamente, Djokovic segue em altíssimo nível, mas que a janela para surpreender existe quando a física entra em cena. Esse recorte interessa a todo o pelotão — de cabeças de chave a sacadores perigosos — que enxerga em Nova York o Slam mais aberto do ano quando a resistência vira protagonista.
Djokovic, como sempre, não perdeu a chance de mandar um recado com humor. Na transmissão, brincou com os rivais dizendo que está “jovem e forte”. Só que a outra metade da frase, dita momentos antes, ecoa mais alto: a preocupação é real e diária. Em alguns dias, o corpo responde e a quadra vira parque de diversões. Em outros, cada game é cálculo fino entre risco e dor. O US Open 2025 está virando exatamente isso para ele: um torneio de xadrez físico e mental, jogado lance a lance.